No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio da sexta temporada, Sara conversa com os arquitetos Matilde Cabral e Francisco Adão da Fonseca, do escritório Pedrêz, sobre a prática experimental do estúdio. Ouça a conversa e leia parte da entrevista a seguir.
Sara Nunes: Empenhados em levar a arquitectura de referência aos mais novos, hoje estamos a gravar um episódio muito especial aqui na Casa da Arquitectura com um grupo de 12 crianças, que vão ajudar a desvendar o vosso trabalho, Francisco e Matilde. Por isso, começava por desafiar a nossa primeira entrevistadora, a Bruna, que vai fazer a primeira pergunta.
Bruna: Porque é que dão o nome de animais à empresa?
SN: Sim. Eu ouvi dizer que o SKREI tinha a ver com bacalhau e nós ficámos também a saber que pedrês é uma galinha portuguesa, não é? Vocês têm de nos contar essa história.
Francisco Adão da Fonseca: Contas tu, Matilde?
Matilde Cabral: Posso contar. Nós andávamos a pensar que nome é que haveríamos de dar à empresa. Como vocês entretanto acho que já sabem, nós trabalhamos com materiais sustentáveis, ou tentamos trabalhar. E uma das coisas que nós mais gostávamos de fazer eram casas que fossem auto-suficientes. Sabem o que é isso?
Bruna: Não.
MC: São casas capazes de produzir a sua electricidade, casas capazes de recolher as águas, casas capazes de produzir comida e então nós [questionámo-nos]: Qual é o animal – queríamos que fosse um animal português – que representa esse tipo de casas? Casas com essa capacidade... E, então, pensámos na galinha. Nós também temos galinhas e, quando fomos ver as raças portuguesas, aquela que achámos que mais representava este tipo de casas era a pedrês. A pedrês é uma galinha muito bonita que é preta com pintas brancas. Não sei se vocês já foram ver. Nós ainda não vimos os vossos desenhos, mas representa esta casa auto-sustentável portuguesa, por isso é que escolhemos a galinha.
SN: Nós desenhámos a galinha de outra forma, mas acho que representa na mesma. E a seguir vai ser o Fausto que nos vai aguçar aqui a curiosidade com a sua pergunta.
Fausto: O senhor sempre quis ser arquitecto sustentável?
Francisco Adão da Fonseca: Eu não sabia até que a minha mãe me mostrou um desenho quando eu era pequenino em que desenhava a camada do ozono, que era uma coisa da sustentabilidade daquela altura. Eu andava sempre a fazer desenhos sobre a camada do ozono. A camada do ozono era algo que era importante para a sustentabilidade quando eu era pequenino. Eu acho que não quis sempre ser arquitecto, mas sempre tive preocupações. Sempre quis ajudar as pessoas e a natureza a conseguirem viver em maior harmonia. A sustentabilidade é isso, então essa vontade eu sempre tive, mas não sabia que queria ser arquitecto. Pode-se fazer isso de muitas formas, não é preciso ser arquitecto, mas calhou ser arquitecto.
SN: E agora é a vez da Beatriz.
Beatriz: Como é que é ser um arquitecto sustentável? É uma profissão muito difícil de ser executada?
SN: Pode ser para os dois a pergunta.
FAF: Pois, estava aqui a olhar para a Matilde para ver se nos ajudávamos um ao outro. É difícil. Eu queria dizer que não é, mas é
Beatriz: Porque é tão difícil?
FAF: Porque o mundo dos adultos não está feito para que as pessoas que têm preocupações com a sustentabilidade consigam dar o seu melhor contributo. Há muitas barreiras, muitos obstáculos. Tu queres contribuir muito, mas depois não te deixam e só te deixam contribuir um bocadinho. Não é fácil e lembra-te: muitas vezes, as pessoas que têm a bandeira da sustentabilidade – e dizem “nós somos sustentáveis” – são a maior barreira. Às vezes, a sustentabilidade, na verdade, é uma coisa muito simples. É algo que tem muito mais a ver com [a forma como] nós olharmos para a natureza: [percebermos] como é que a natureza funciona, como é que as pessoas funcionam dentro da natureza e tentar replicar isso, ou tentar trabalhar sob essa base do que estar a inventar com grandes tecnologias e grandes leis. Mas a resposta é que não é muito fácil.
MC: Mas eu acho que essa pergunta são quase duas perguntas porque uma coisa é ser um arquitecto... Como vocês sabem eu não sou, mas vejo o que é ser e participo no trabalho da arquitectura. Eu acho que o mais difícil no trabalho do arquitecto é que trabalha sempre com projectos. Estamos sempre a projectar o futuro e, muitas vezes, as outras pessoas não aceitam logo as nossas ideias, ainda não perceberam. Nós temos de acreditar nelas e lutar por elas. Essa fase de luta e de levar os outros a aceitar as nossas ideias – porque nós já as vemos muito antes – é que é difícil. Até as pessoas nos apoiarem e passar-se a poder trabalhar já com conforto, acho que essa é a parte mais difícil de ser um arquitecto. Se agora em cima disto ainda quisermos trabalhar ideias de sustentabilidade... A sustentabilidade não tem sempre a ver com o que se fala muito agora das alterações climáticas, que vocês já todos ouviram falar, ou com a reciclagem do lixo, a sustentabilidade tem a ver com o equilíbrio, com o uso apenas dos recursos (como a madeira, ou a terra) que são precisos e não mais. Só termos as casas que precisamos para viver e não mais. Então quando nós tentamos explicar essas ideias às pessoas, as pessoas às vezes não é isso que querem ouvir. Elas querem ouvir que “sim, podem ter mais casas”, “podem gastar mais”, “podem usar o plástico que quiserem” e nós o que tentamos dizer às pessoas é que isso não [é possível]. É que usem menos e que respeitem a natureza. Às vezes, é um bocadinho difícil, mas quando conseguimos convencer alguém é muito bom. Isso é que nos dá força para conseguirmos continuar e para não desistirmos deste caminho da sustentabilidade.
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Ouça a entrevista completa aqui e reveja, também, a quinta temporada do podcast No País dos Arquitectos:
- Alejandro Aravena
- Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez
- Tiago Rebelo de Andrade
- Marta Brandão e Mário Sousa
- Luís Tavares Pereira e Guiomar Rosa
- Francisco Aires Mateus
- Paulo Moreira
- Andreia Garcia
- Fátima Fernandes
- Helena Vieira e Pedro Ferreira
- aNC arquitectos
- Branco del Río, Arquitectos
- Ana Aragão
- fala atelier
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e Melanie Alves e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.